Tesouro Escondido e Descoberto
(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
Gosto dos primeiros
minutos da manhã, quando tudo na casa é silêncio e os telhados flutuam pela
janela.
(Roseana Murray. O
Silêncio dos Descobrimentos)
A procura de um livro em uma estante pode nos levar a
descoberta de um livro esquecido, escondido no meio de muitos outros, isso
aconteceu esta semana quando procurava um livro da escritora Vânia Resende e me
deparei com “O Silêncio dos Descobrimentos” (Ed. Paulus, 2000), de Roseana
Murray e Elvira Vigna. As duas estão reunidas neste livro no ato de escrever. Elvira
Vigna vai mais além, escreve e ilustra.
“O Silêncio dos Descobrimentos” tem o sabor de um livro
antigo, um diário manuscrito, todo feito em letra cursiva. Poemas e textos em
prosa convivem harmoniosamente e interagem com as ilustrações em preto e
branco.
Como distinguir de quem é o texto? Os de Roseana Murray
são escritos com um tipo de letra grossa, com uma caneta mais carregada de
tinta; o de Elvira Vigna com um tipo de letra mais delicado, uma escrita fina.
São textos e poemas para ler e curtir. Há outros que
sugerem a participação do leitor. Nesse último caso, algumas páginas estão em
branco e vêm acompanhados de apelos: “Diga quem você é” (p.6); “Faça aqui o
mapa da sua geografia em algum momento do passado” (p.12); “Relate aqui um
descobrimento seu” (p.14). E seguem-se muitos outros pedidos Depois da leitura
desse livro, o leitor pode não se considerar poeta, mas ficará com a certeza de
que dialogou com um texto, assumiu uma atitude de “coparticipação”, expressão
utilizada por Gaston Bachelard para estabelecer um elo entre autor e leitor.
Uma epígrafe poética de Elvira Vigna marca a abertura do
livro:
Este livro tem
poemas,
anotações,
imagens de mares,
ventos, pedras.
o silêncio de
todos os
descobrimentos.
O primeiro poema do
livro é de Roseana Murray - “Me olho no espelho” (p.7) e guarda afinidades com
“Retrato”, de Cecília Meireles. Na página anterior a este poema, aparece o
convite de Elvira Vigna que exige a primeira participação do leitor: “Diga quem
é você” (p.6).
Roseana Murray é
filha de pais poloneses. Lejbus Kligerman e Bertha Kligerman, pais de Roseana, vieram
para o Brasil antes da 2ª. Guerra Mundial, fugindo do antissemitismo. No poema
da p. 15, Roseana se refere à morte do pai, ao tio que tocava violino em um
país distante, ao rio que atravessava a aldeia e ao barco que atravessou um
oceano para que ela nascesse aqui.
Quando meu pai
morreu, eu quis chorar tantas coisas que não foram ditas. (p.15)
Atente-se para o inusitado da expressão: “eu quis chorar
tantas coisas que não foram ditas.”.
Elvira Vigna, nas páginas 70 e 71, escreve este poema:
A foto é sempre
muda, a foto dos
que vieram depois, pelo
mesmo caminho molhado,
mas sem as
calmarias.
Na página seguinte
(p.71), aparece um atestado de Lejbus Kligerman,
com uma foto 3x4 fixada na parte superior do lado direito da folha. É um atestado
que foi emitido para o Serviço de Registro de Estrangeiros. Rio de Janeiro, em
13 de agosto de 1943. Vê-se, de forma bem legível, a data da foto de Lejbus Kligerman: 25-5-1942.
No meio dos poemas, aparecem contos que falam sobre
histórias cheias de maldade (Roseana) e sobre desenhos decorativos (Elvira
Vigna), não faltando frases de poetas e pensadores, como Fernando Pessoa e
Gaston Bachelard.
Este livro está esgotado e uma das autoras (Roseana
Murray) resolveu não mais reeditá-lo. É uma pena, um livro bonito e com acesso
restrito. Resta uma esperança: ele pode
ser adquirido nos sebos, lido nas bibliotecas públicas e particulares.
2 comentários:
obrigada, neide.
por revivê-lo.
um abraço.
Olá, gostei muito do seu blog :D
Também tenho um onde coloco alguns poemas meus. Poderia dar uma olhada?
http://wordsbyalonelyguy.blogspot.com.br
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