Cobra Norato e outras
miragens: mito, folclore e poesia
(Neide
Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
Que é um mito? Uma narrativa de História
fantástica, desfigurada pela credulidade, agindo no sentido do maravilhoso.
(Luís
da Câmara Cascudo. Literatura Oral no Brasil).
É um erro pensar que a literatura infantil não
tem compromisso com a pesquisa, com a leitura de livros teóricos. No universo
da literatura dirigida às crianças, encontramos muitos livros que revelam intertextualidade
com os contos de origem popular, com a poesia de cordel.
A
escritora Eloí Bocheco é apaixonada pela literatura oral e de cunho popular,
muitas vezes a autora recorre aos livros de Câmara Cascudo para escrever seus textos
destinados às crianças. “Batata cozida, mingau
de cará”, que integra essa linha de valorização do popular, foi premiado pelo
MEC e integrou a coleção Literatura Para Todos.
Se
fizermos um exame mais acurado na vasta produção da literatura infantojuvenil
da autora catarinense, iremos nos deparar com outros títulos que estão
intrinsecamente ligados às brincadeiras infantis, ao folclore, à tradição oral e
citamos “Pomar de brinquedo”, “Cantorias de jardim”, “Tá pronto, seu lobo? e outros
poemas”.
Em
2016, pela editora Habilis, Eloí publicou “Cobra Norato e outras miragens”,
texto ilustrado por Dane D´Angeli, que vem comprovar mais uma vez o que afirmamos
a respeito da recorrência aos temas folclóricos. A autora foi buscar em Câmara Cascudo,
Leonardo Boff e Carlos Rodrigues Brandão os elementos que deram suporte para
escrever este livro - “em versos singelos, de sincera afeição” - as miragens
que envolvem certas histórias ouvidas ou lidas na infância.
A
respeito desse último livro, a autora afirma que há muito tempo acalentava o
desejo de realizar esse sonho – “celebrar poeticamente algumas figuras do
folclore brasileiro”, para isso recorreu às histórias guardadas na
memória.
Dezessete poemas falam, através de versos, sobre
elementos ligados ao folclore, às lendas, aos mitos de origem popular São
poemas narrativos, contam uma história, como acontece com “Cobra Norato” e
“Negrinho do pastoreio”.
“Cobra
Norato” é o primeiro poema do livro. Câmara Cascudo registra essa história no livro
“Geografia dos mitos brasileiros” e apresenta duas versões, explica que a origem
desse mito é da região amazônica (Pará). Honorato ou Norato era ao nome do moço
que durante o dia era cobra, em noites de lua cheia se transformava em moço
bonito desejado pelas moças. Como sabia dançar bem o danado! No texto poético,
ganha mais beleza:
Surgia nos bailes e
dançava até o amanhecer,
- “Quem é o belo cavalheiro?” –
as gentes queriam saber.
Um
clima de mistério envolve o rapaz que ficava envaidecido com a curiosidade que
despertava nas jovens. Honorato tinha
dois destinos – um de gente, outro de bicho. Era necessário descobrir esse
mistério para Honorato voltar à forma humana.
“Negrinho
do pastoreio” está registrado no livro de Câmara Cascudo como uma lenda
tipicamente do Rio Grande do Sul. Em seis estrofes, Eloí resume a lenda em
versos. Câmara Cascudo louva a tecedura admirável dessa lenda e considera-a de “intensa
e comovedora ação dramática” Segue-se o poema de Eloí Bocheco:
Negrinho do Pastoreio
foi açoitado
por causa do cavalo
que sumiu no prado
no meio do formigueiro
seu corpo foi jogado.
O que nos chama a
atenção nesse poema é o poder de concisão, com apenas seis versos toda história
do negrinho foi contada, seguem-se outras estrofes, mas o essencial está
expresso com poucas palavras na primeira estrofe, é o poder inerente do poema -
dizer o muito com poucas palavras.
Selecionamos
esses dois poemas para demonstrar que as lendas e os mitos circulam pelo Brasil
em diferentes versões. “Cobra Norato” está ligado à região amazônica, “Negrinho
do pastoreio” ao Rio Grande Sul. Os mitos e lendas atravessam as fronteiras
regionais.
“Cobra
Norato e outras miragens” me levou ao encontro de “Guriatã: um cordel para
menino”, do poeta pernambucano Marcus Accioly Os dois poetas, Bocheco e
Accioly, se utilizaram das vozes dos folcloristas, pesquisadores, estudiosos da
nossa cultura e das nossas raízes que alimentam o imaginário popular brasileiro
para cantar em versos, com força poética esses mitos e as lendas.
.
NOTAS
PARAIBANAS
“A
Scena Muda” e outras cenas.
Luiz
Augusto Paiva da Mata publicou pela editora All Print em 2014 o livro “A
saudade e outras manias do coração”, livro de contos, que teve a participação
de Hérmany Menezes, responsável pelas fotografias e as ilustrações. Nove contos integram a coletânea e todos
trazem o resgate de um tempo que deixou as marcas da infância e da adolescência
do contista. São contos memorialistas e chamou-nos a atenção o primeiro conto
do livro – “A Scena Muda”.
Muitos
leitores vivenciaram essa experiência relatada pelo autor. O cinema é o foco
principal desse conto e a revista “A Scena Muda” o motivo condutor de toda
trama. Os fatos apresentados referem-se
à fase infantil do contista. Sua vida de menino, amante do cinema, morando no
interior paulista não era diferente do que vivenciou João Batista de Brito,
colunista do “Contraponto”, em João Pessoa. Viveram em locais distintos, mas a
“scena” apresenta semelhanças.
Quem
não se lembra de uma irmã mais velha ou de uma tia que colecionava álbum com retratos
dos artistas de cinema que faziam sucesso nos anos 1950/1960? O contista traz de volta esse passado – a
coleção de retratos de artistas famosos do mundo do cinema, como Errol Flynn,
Gary Cooper, Ginger Rogers, Ava Gardner, Robert Taylor e muitos outros,
pinçados da revista “A Scena Muda”, todos esses ídolos estavam pregados nas
paredes dos quartos do menino Luiz Augusto e da irmã Elza.
À noite
quando ia dormir, as artistas desciam da parede e vinham conversar com o menino
e as conversas imaginárias se prolongavam até o sono chegar. Elza também
conversava com os artistas quando todos estavam recolhidos.
O
pai, um militante do Partido Comunista, homem trabalhador e severo, não gostava
das manias dos filhos. Reverenciar
artistas de cinema! “Tudo aquilo era coisa do imperialismo americano”. A irmã era apaixonada por Errol Flynn, Luiz Augusto
adorava Ava Gardner, não compreendia porque uma mulher tão bonita era
maltratada pelo marido, Frank Sinatra. A artista Ginger Rogers era outra que
habitava no seu coração. A vida dos
artistas fazia parte da vida do menino.
Veio
a notícia de mudança, iriam morar em Taubaté, e com a mudança os retratos dos
artistas foram rasgados pelo pai em um momento de irritação. Para aumentar a tristeza dos filhos o pai ainda
recomendou - na nova casa nada de retratos de artistas nas paredes.
Luiz
Augusto é natural do Rio de Janeiro, passou parte da infância em São José dos
Campos e Campos do Jordão, depois foi morar em São Paulo, atualmente reside em
João Pessoa.
(Publicado
no jornal “Contraponto”. Caderno – B, Paraíba, 13 a 19 de maio de 2016).
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