Intramuros: romance ou
depoimento literário?
(Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)
Creio que o Intramuros pode ser catalogado como romance, mas, pra
mim, tem mais a ver com um depoimento literário, digamos assim – um
despretensioso relato de como a gente, se perdendo, vai se descobrindo no
esforço de escrever um livro.
(Lygia
Bojunga).
A escritora Lygia Bojunga Nunes não é a mais prolífera
das escritoras de livros infantojuvenis do Brasil, mas, certamente, é uma das
mais premiadas. Quase todos os seus livros receberam prêmios, sendo dois
internacionais: a medalha Hans Christian Andersen (1980) e Astrid Lindgren Memorial
Award, 2004 (ALMA). Este último foi criado pelo governo da Suécia e confere ao
ganhador a soma de cinco milhões de coroas suecas, equivalente a quinhentos mil
euros. O valor monetário desse prêmio é um dos mais altos da literatura.
Com o dinheiro advindo desse prêmio, Lygia
realizou um sonho há muito acalentado – a criação da “Fundação Cultural Casa Lygia
Bojunga” (FCCLB) que funciona no Rio de Janeiro, no bairro de Santa Teresa e no
sítio Boa Liga, em Petrópolis. A Fundação abriga a Editora Casa Lygia
Bojunga Ltda. É voltada para projetos que despertem o desejo de ler através de
variadas práticas de leitura. Existe também uma preocupação com problemas
ligados à ecologia. O sítio Boa Liga, um espaço da Mata Atlântica, é a outra morada
da Fundação. Nesse espaço bucólico, o Livro e a Natureza caminham juntos. A
FCCLJ é mantida exclusivamente com os recursos do prêmio e a venda dos livros
da autora. Os projetos são desenvolvidos no “Nicho”: Santa Teresa, Rio de
Janeiro e no Sítio Boa Liga: Pedra do Rio, Petrópolis, RJ. Os projetos têm finalidades
literárias, culturais e ecológicas.
“Intramuros” (Rio de Janeiro: Editora Casa
Lygia Bojunga, 2016) é o livro mais recente de Lygia Bojunga. É o vigésimo terceiro
livro da escritora. Ela considera que escrever é “um caminho longo e tortuoso”,
talvez, por isso, de forma reiterada, expressa em seus escritos problemas ligados
ao ofício de escrever. Isso ocorreu, entre outros, com “Feito à Mão”, “Livro:
um encontro com Lygia Bojunga Nunes” (texto teatral) e agora com “Intramuros”.
O livro não está dividido em capítulos, mas há
separações entre os textos que indicam cortes narrativos. Logo, nas primeiras
páginas, a personagem Nicolina é apresentada pela narradora. Dá a impressão de que será a condutora da
trama, mas surgirão outras vozes. Lygia
foi artista de teatro e se utiliza de recursos cênicos para introduzir a sua
personagem: “Ah! Se este espaço fosse um palco, eu não teria que ficar tão
cheia de dedos pra te fazer um gesto e dizer, esta é Nicolina. E, pronto! ela
entrava em cena e, num segundo, se revelava pra você. – na aparência, na
expressão do rosto, no jeito de andar, de olhar, de sorrir. Mesmo que não
dissesse uma só palavra, a presença dela já seria uma revelação” (p. 14). No
decorrer da narrativa, Nicolina fala sobre sua infância, seu riso desmedido,
suas atitudes que levavam as pessoas a pensar que era autista. De repente, um
corte narrativo, a personagem desaparece. Mas ela irá retornar em outras passagens do
livro.
Em outro momento, é a narradora, no caso a
autora, que se apresenta. Nessa parte, o depoimento sobrepuja o romance. Descreve certos locais de Londres, uma Londres
pouco conhecida dos turistas: verdejante, romântica. Há trinta e quatro anos
que Lygia passa parte de sua vida em Londres, outra no Rio de Janeiro. Todos os
anos seu tempo é dividido – Rio/Londres E vem a descrição dos lugares que
escolheu para morar com seu marido, Peter. Ela prefere livros a filmes, mas foi
vendo um filme com o ator Alec Guiness que descobriu Hampstead Heath. Pegou um mapa, examinou bem o local e no outro dia
foi descobrir que Hampstead Health era
esse. As paisagens reveladas de vários locais londrinos levam o leitor a viajar
na companhia de uma guia que conhece muito bem a cidade que escolheu para morar
por alguns meses do ano.
Vinícius, Rosário, Garibalde, Gari, Hortênsia
são outras personagens que moram nesse livro cheio de diálogos. E Nicolina
retorna com mais revelações sobre sua vida. Nas últimas páginas, a autora fala sobre o seu
fazer literário e explica como começou a sua paixão pelos livros. O início se
deu com a leitura dos livros de Lobato. Enturmou-se com as personagens
lobatianas. “Elegeu Emília como confidente e conselheira.” Tornou-se tão íntima
de Lobato que escreveu uma carta chamando-o de “prezado colega”. Quando decidiu
procurar outros sítios, já era leitora feita. “Daí pra querer escrever foi um
pulo”.
Na
adolescência, escreveu diários e mais diários; na escola, peças de teatro,
representadas pelo grupo teatral que criou junto com colegas. Para ganhar algum
dinheiro, escreveu para rádio, teatro e televisão. Ainda não tinha despertado
para escrever um livro. Um dia, resolveu criar os primeiros moradores de uma
casa chamada livro e surgiu “Os colegas”. A casa se tornou pequena e foram
aparecendo outros moradores: Raquel, Angélica, Maria, Lucas, o amigo pintor, a
professora Vera e muitos outros. Nicolina é a mais nova moradora. Certamente
virão outros livros. Novos moradores irão enriquecer o universo literário da
escritora. Aguardemos.
( Publicado no jornal “Contraponto”.
Paraíba, 03 a 07 de outubro de 2013).
Nota: Tenho andado um pouco ausente. Prometo voltar com mais assiduidade.
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