“Um amigo para sempre” está
de volta
(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante – FNLIJ/PB)
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu voo, seu
canto,
Cada pássaro é um
milagre.
(Manuel Bandeira.
Preparação para a morte).
O livro de Marina Colasanti “Um amigo para
sempre” (Ed. FTD, 2017), com ilustrações de Guazelli, ganhou nova roupagem e
não se perdeu na volta. A 1ª edição do livro foi em 1988 e retorna depois de
quase 30 anos, vem com ares de livro artesanal, bonito e enriquecido com o
trabalho artístico de Guazelli. Este livro conta a história de uma amizade
entre um homem e um pássaro.
Para Fanny Abramovich, é um conto poético que entrelaça
história, biografia, parábola e poesia. Encanta por sua refinada simplicidade.
É uma história real: a história da vida do escritor Luandino Vieira que nasceu
em Portugal, mas radicou-se ainda criança em Angola e muito lutou pela liberdade
do país que o recebeu como filho. Por suas ideias consideradas revolucionárias
pelo regime salazarista, pelo desejo de ver Angola livre de Portugal, Luandino ficou
preso por vários anos em Luanda, depois foi enviado para o campo de
concentração de Tarrafal, situado na Ilha de Santiago, em Cabo Verde. Os dois últimos anos de prisão foram passados
em Lisboa, em prisão domiciliar. Com a Revolução
dos Cravos de 25 de abril de 1974 que pôs fim ao regime de Salazar, Luandino
adquiriu liberdade e Angola ficou livre do jugo português.
José Luandino Vieira
é pseudônimo literário do autor, nasceu em Ourém, Portugal. Seu nome verdadeiro é José Mateus Vieira da
Graça, mas ficou conhecido internacionalmente por Luandino Vieira. É autor de inúmeros livros, entre eles muitos
livros de contos, alguns romances, novelas e um livro de literatura
infantojuvenil – A guerra dos fazedores
de chuva com os caçadores de nuvens.
Um amigo para sempre surgiu de um
encontro entre Marina Colasanti e Luandino Vieira em Cuba. Nesse encontro, o
escritor falou sobre o período que esteve preso e a amizade que fez com um
pardal que vinha visitá-lo todos os dias quando ia tomar banho de sol.
Marina Colasanti sempre revelou paixão por pássaros e
encontrou um bom motivo para escrever esse livro. Na apresentação, ela revela que é “uma estória
tão bonita que eu gostaria de tê-la inventado”.
Porque pensava
diferente dos que governavam seu país, aquele homem foi preso, assim começa
o livro. Todos os dias era a mesma rotina – vinham buscá-lo para tomar banho de
sol, era a hora da liberdade e a hora que o pensamento voava como os pássaros.
Deitado na grama sonhava, sonhava com a liberdade do seu povo, de um povo que
aprendera a amar como se ali tivesse nascido, aquele era o país que havia
escolhido para morar e sofria com a falta de liberdade.
No início, levava um livro para ler, depois preferiu
ficar olhando para o céu, para as nuvens, para o verde das árvores que teimavam
em pousar suas folhas sobre o muro alto da prisão. As nuvens, o azul do céu, os passarinhos que
passavam voando, tudo era motivo para contemplação e enlevo.
Resolveu levar um pedaço de pão e ficar mastigando bem devagar.
Foi por causa desse pedaço de pão que um passarinho se aproximou do homem. Ele
queria as migalhas, o homem observou o interesse do pássaro e de forma bem
delicada jogou um pedacinho de pão para o pássaro que logo o recolheu. Todos os
dias era a mesma coisa – homem e pássaro dividiam o pão. A partir daí se
tornaram amigos – existia uma alegria naquele encontro, alegria do homem e do
pássaro, existia a alegria do encontro.
E o passarinho continuou se aproximando cada vez mais do
homem. Passaram-se meses e um dia o passarinho veio comer na sua mão. A notícia
se espalhou na prisão – aquele preso político havia domesticado um passarinho
Ninguém imaginava que tinha sido fruto de muita paciência, de muita espera. As
coisas não se conquistam de forma fácil, foi um longo caminhar.
Passou o verão, chegou o inverno, mas naquele país o
inverno não era rigoroso, daí o espanto do homem no dia em que o passarinho não
veio. Ficou aflito. O que teria acontecido? Esperou mais alguns dias, sempre na
expectativa de vê-lo outra vez. O passarinho não veio durante semanas, não veio
nunca mais. E o homem foi invadido por uma tristeza muito grande, perdera seu
amigo.
Mas como tudo passa, conformou-se. A tristeza foi substituída
por outro sentimento e associou o destino do pássaro a seu próprio destino – um
dia ele sairia daquela prisão, iria para longe, seria livre e o sol voltaria a
brilhar sem a presença de muros e grades, iria sentir o voo da liberdade.
Para ilustrar esse livro, Eloar Guazelli utilizou
sutilezas que combinam com a história. Na capa, vemos um pássaro, folhas de
árvores e uma mão que parece chamar o pássaro. As ilustrações internas são
simples, poucas cores – nuvens, muros altos, arames farpados, folhas ao vento e
a figura constante de um passarinho.
As páginas do livro são coloridas, mas com tons muito
discretos- verde, azul, róseo, apenas um tom mais vibrante – um vermelho alaranjado
aparece no meio desses tons suaves. Há outro detalhe que chama a atenção do
leitor – todas as folhas do livro vêm coladas à maneira dos livros
antigos. Fui invadida por uma vontade de
abri-las, preferi espionar o interior e preservá-las, não quis maculá-las.
Os textos de Fanny Abramovich, Benjamim Abdala Junior,
Ruth Rocha e de Gauzelli que estão encartados no livro ajudam a compreender
melhor o trabalho literário de Marina Colsanti e a vida do idealista Luandino Vieira.
NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS
EDINÓLIA MARTHA DE SOUZA –
UMA LEITORA MUITO ESPECIAL
Uma visita à biblioteca Durmeval Trigueiro, na Fundação
Casa de José Américo, e a descoberta de um tesouro. Familiares de Edinólia
Souza doaram à biblioteca Durmeval Trigueiro todos os livros de literatura de
quem passou a vida na companhia de bons livros. Há preciosidades, como uma edição
de “Crime e Castigo”, de Dostoievski, uma tradução do francês de Raquel de
Queirós, com ilustrações de Tomás Santa Rosa. Outros livros, todos muito bons,
nos levam a recordar de Edinólia e de sua figura simples, reservada.
Lembro-me muito bem de Edinólia comparecendo
aos lançamentos de livros nas livrarias de João Pessoa, na Fundação Casa de
José Américo, no Centro Cultural Joacil de Brito Pereira. Quando
lançava meus livros convidava-a, e ela sempre se fazia presente. Descobri, no
meio de valiosas relíquias, um livrinho fino que publicamos em homenagem a
Violeta Formiga - lá estava um oferecimento carinhoso e um marcador de livro
artesanal, confeccionado pelo artista plástico Miguel Bertollo – três singelas violetas,
pintadas em aquarela na companhia desses versos: “Eu amo o dia porque dele
surge as madrugadas”.
Edinólia
me disse certa vez que quando lia um livro de um escritor que gostava,
procurava comprar todos os livros daquele autor. Nesse rico acervo, encontram-se vários livros
de José Saramago, Mário Vargas Llosa, Mia Couto, Virgínia Woolf, Fernando Pessoa,
Drummond. A bibliotecária Nadígila Camilo e bibliófilo Francisco de Assis me
chamaram a atenção para algumas curiosidades guardadas dentro dos livros –
recortes de jornais, fotografias dos escritores, breves comentários. As marcas
de grifos nas frases, nos parágrafos dos livros indicam que todos foram lidos. É muito bom que esse acervo esteja abrigado na
biblioteca da Fundação Casa de José Américo. São 538 títulos à espera de novos leitores.
POEMA DA
SEMANA
A vida
é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor,
seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu
voo, seu canto,
Cada pássaro é um
milagre.
O espaço infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre,
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
- Bendita a morte que é
o fim de todos os milagres.
(
Manuel Bandeira. Preparação para a
morte).
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