sábado, 9 de agosto de 2008

HISTORIAS TECIDAS EM SEDA, PINTURA ऐ MUSICA


Histórias tecidas em seda, pintura e música.
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB)

Que meu conto seja belo e que se desenrole como um longo fio.
(Gislayne Avelar Matos. A Palavra do contador de histórias).

Contar e ouvir histórias são atividades muito antigas. As narrativas orais estão presentes na gênese de toda literatura e, em particular, na literatura infantil. Se fizermos uma retrospectiva das antigas literaturas do mundo oriental e ocidental, iremos encontrar o hábito de contar histórias como uma forma de entretenimento. Adultos e crianças se reuniam em torno das fogueiras para ouvir histórias.
Quando se fala em contar e ouvir histórias, vem logo à nossa mente a figura do contador de histórias. Walter Benjamin (1994) considera esse narrador “o primeiro narrador verdadeiro”.
Um bom exemplo de “narrador verdadeiro” é a figura de uma avó, contadora de histórias. Ela está presente no universo infantil brasileiro e nos países e continentes do além-mar (África, Europa, Américas, China, Japão). Monteiro Lobato quando criou o sítio do Pica-pau Amarelo criou também duas excelentes contadoras de histórias: vovó Benta e tia Nastácia. A primeira contava histórias de fatos mitológicos e adaptações dos clássicos universais, como fez com Dom Quixote; tia Nastácia trazia histórias do folclore brasileiro e adaptações de contos tradicionais europeus.
Fiel a essa tradição, Lúcia Hiratsuka apresenta, no livro Histórias tecidas em seda (Ed. Cortez, 2008) três contos de origem japonesa contados por sua avó. São contos reescritos, transfigurados pela escritora que é responsável também pelas bonitas ilustrações, Convém ressaltar que, em 2008, este livro recebeu o Prêmio FNLIJ Figueiredo Pimentel – O Melhor Livro Reconto.
Antes de tecermos comentários sobre Histórias tecidas em seda, vejamos um depoimento da escritora registrado no texto – O Chão de Asahi: um retrato familiar. Nesse depoimento, a escritora fala sobre seus avós de forma muito carinhosa. Ela diz no seu relato:
Meus avós chegaram ao Brasil, Porto de Santos, em 1925 e se fixaram no noroeste de São Paulo.
A avó sempre foi uma excelente contadora de histórias e o avô gostava de fabricar móveis, utensílios de madeira e brinquedos. Certa vez, Lúcia perguntou a avó se gostaria de voltar ao Japão e ela respondeu:
Acho que não vou reconhecer mais o lugar que eu nasci, fica na minha memória, continua do jeitinho que eu nasci. Será um eterno furusato (terra natal, em japonês).
Lúcia Hiratsuka nasceu em uma região do interior de São Paulo, conhecida como Asahi que, em japonês, significa “sol da manhã”. Quando contava 10 anos, mudou-se para Duartina considerada a “capital da seda”. Mais tarde, transferiu-se para São Paulo e estudou Belas Artes.
Em 1988, esteve no Japão e durante um ano fez curso de aperfeiçoamento em ilustrações de livros infantis na Universidade de Educação de Fukuoka. Atualmente, além de escritora e ilustradora, é professora de Artes na cidade de São Paulo.
Em entrevista concedida a Marcelo Maluf, no Labirinto do Sótão, quando o entrevistador perguntou se as histórias que ela contava eram inspiradas na sua própria vida, ela respondeu:
A história precisa se tornar independente, ter vida própria.
Depois de conhecer um pouco da vida de Lúcia Hiratsuka, vamos examinar o livro que ganhou o prêmio FNLIJ, na categoria Reconto.
O título do livro condiz com a própria tessitura verbal das histórias e com a leveza e transparência das ilustrações. Os contos, na pena versátil de Lúcia e, na companhia de seu pincel mágico, adquirem independência e vida própria.
Histórias tecidas em seda se compõe de três contos: O pássaro do Poente, Hachikazuki e Tanabata. Nas páginas finais do livro, o leitor encontra informações da autora sobre as histórias e um pequeno glossário com explicações a respeito das palavras em japonês que aparece no decorrer dos contos.
O primeiro, O Pássaro do Poente, está intimamente ligado ao contato com a natureza. O decorrer do tempo vem marcado pelas estações do ano e o ato de tecer é o motivo condutor do conto. Gratidão, ambição e curiosidade permeiam o inicio, meio e o fim da história.
O segundo, Hachikazuki, estabelece uma forte ligação entre mãe e filha. Ao morrer, a mãe deixa um objeto para a filha que lhe parece um incômodo, mas é uma espécie de arma protetora. Este conto segue um ritual de iniciação e a filha terá que percorrer muitos caminhos até encontrar a verdadeira felicidade.
O último, Tanabata, é considerado uma lenda e tem sua origem na China. É a história de uma “tennin”, um ser divino, celestial, que mora acima das nuvens e que se apaixona por um ser humano. Este conto liga-se à festa que acontece todo dia sete de julho no Japão – Tanabata. Nesta data, as ruas e praças ficam enfeitadas com ramos de bambus para comemorar o Festival das Estrelas, é o dia do encontro de uma “tennin” com o seu amado.
Os três contos apresentam uma linguagem poética e musical. As ilustrações são leves, cheias de transparências, ricas em detalhes e de grande beleza cromática. Existe um perfeito diálogo entre o texto verbal e o pictórico, acrescido de referências à música e à poesia. Linguagem poética, pintura e música trilham o mesmo caminho. A beleza desses contos pode ser associada à Sonata ao Luar de Beethoven. Um quadro de Nakajima completaria o cenário.
Após a leitura do livro surge a pergunta: o que é mais bonito – o texto verbal ou as ilustrações? Fica difícil responder.
Nota: A escritora Lúcia Hiratsuka estará presente hoje, à tarde, na IV Feira Cultural Japonesa no Espaço Cultural, às 17h00. Nessa ocasião, irá falar sobre as suas atividades de escritora e ilustradora de livros infantis e dará autógrafos do livro “Histórias tecidas em seda”.

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