sexta-feira, 16 de julho de 2010

roseana murray e a poética das transparências e delicadezas




Roseana Murray e a poética das transparências e delicadezas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Um dia os homens acordaram
e estava tudo diferente:
das armas atômicas nem sinal havia
e todos falavam a mesma língua,
falavam poesia.
(Roseana Murray. Sonho.)

Os professores falam sempre da dificuldade que sentem em trabalhar com a poesia em sala da aula. O texto poético é sintético, às vezes hermético e, geralmente, simbólico. A soma desses fatores exige mais reflexão por parte dos professores e dos alunos. Vivemos em um mundo de apressados e a poesia desponta como o momento da descontração, da calma, do sentir.
Carlos Drummond de Andrade, no artigo “A educação do ser poético, reconhece o lado menineiro da poesia, depois abandonado pelo adulto e interroga:
“Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será que a poesia é um estado de infância relacionado com a necessidade de jogo, a ausência do conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos do viver – estado de pureza da mente em suma? Acho que é um pouco de tudo isso...”
A reflexão sobre o pensar drummondiano nos leva à moderna poesia brasileira destinada ao público infantil e juvenil, e encontramos muitos poetas que se preocupam em apresentar livros de poesia que revelam um “estado de infância”. Roseana Murray desponta como poeta voltada para o lado menineiro. Já escreveu mais de 50 livros, quase todos no reino da poesia. Ela costuma dizer que não se considera escritora de ficção, apenas poeta. Filha de imigrantes poloneses que vieram para o Brasil fugindo do antissemitismo atualmente mora em Saquarema, no estado do Rio.
O título de seus livros indica que a poesia está em tudo. “Fardo de carinho” foi o primeiro. Depois vieram muitos outros: “Receitas do olhar”, “Manual de Delicadeza de A a Z”, “Fruta no ponto”. ”Jardins” recebeu o prêmio da ABL- 2002 e foi ilustrado por Roger Mello. É poeta que sabe lidar muito bem com as palavras. É capaz de transformar os classificados de jornais em “Classificados Poéticos”, outro título de um dos seus livros.
Em 2010, pela Editora Lê, Roseana Murray publicou “Carteira de Identidade” com ilustrações em preto e branco de Elvira Vigna. Desta vez o título esconde segredos poéticos.
Os poemas deste livro vêm marcados por inquietantes indagações: Quem sou eu? O que é o mundo?
O poema “Perguntas” está cheio de interrogações. É a procura da memória, de um lobo antigo, a busca de signos.
O olhar para o céu também suscita dúvidas:
“seremos os únicos
a habitar o universo?”(p.14)
No poema “Corpo”, a pergunta:
“Meu corpo vibra,
pulsa,
é uma bomba-relógio?”
“Tamanho”, um dos últimos poemas do livro, é todo pontuado por interrogações:
O meu tamanho
é o mundo?
O que meu corpo
desenha no ar?
Sou uma arquitetura
mutante?”(p. 42)
No último poema, “Impressão Digital”, o leitor pensa que irá encontrar a chave. Ledo engano. O eu lírico conclui:
“Quem sou?” (p.46)
Ferreira Gullar, misto de poeta e crítico literário, considera que a poesia de Roseana Murray “é feita de transparências e delicadezas, como se ela falasse para mostrar o silêncio. E assim a linguagem alcança a condição de pluma e porcelana.”
“Carteira de Identidade” é um livro de poemas para crianças? Difícil responder à questão. É um livro de transparências e delicadezas, como bem definiu Ferreira Gullar.

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