

Livros & Literatura
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Clarice Lispector para jovens
Quando escrevo para crianças, sou compreendida, mas quando escrevo para adulto fico difícil? Deveria eu escrever para os adultos com as palavras e os sentimentos adequados a uma criança? Não posso falar de igual para igual?
(Palavras proferidas por Clarice Lispector quando recebeu o prêmio por seu livro infantil – O mistério do coelho pensante).
Clarice Lispector reconhecia que os livros que escrevia para adultos eram herméticos, mas quando se voltava para o público infantil estabelecia um fraterno diálogo com o leitor. Isso ocorria, também, com as crônicas publicadas nos jornais.
Durante sete anos (1967/1974), Clarice Lispector publicou crônicas no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro). Escrevia uma coluna aos sábados e sentia que havia extrapolado o gênero. Na crônica “o grito”, ela assim se expressou: ”Sei que o que escrevo aqui não se pode chamar de crônica nem de coluna nem de artigo.” Crônica ou não, os textos eram lidos e bem assimilados por todos.
Com o objetivo de resgatar as crônicas de Clarice publicadas no JB e o pensamento voltado para o leitor jovem, a Editora Rocco publicou “Crônicas para jovens: de amor e amizade” (2010). Pedro Karp Vasquez organizou, selecionou os textos e fez a apresentação do livro. Nas crônicas, Clarice “abriu o coração aos leitores sem rodeios nem artifícios.”
Há crônicas que são bem curtinhas, apenas um parágrafo, como “o presente”, “mas há a vida”, “liberdade”. Preferimos aquelas que contam uma história, as que têm “sopro de vida”.
Em “amor imorredouro”, Clarice fala sobre uma longa conversa que manteve, certa vez, com um motorista de táxi, no Rio de Janeiro. Era um espanhol ainda bem moço, de bigodinho e olhar triste. No percurso da viagem, que foi demorada, ele contou que há catorze anos, quando, ainda, morava na Espanha, namorou uma moça que adoeceu de repente e nenhum médico foi capaz de curá-la. Depois de três dias, ela morreu. Ao perguntar o nome da moça, Clarice teve um susto, chamava-se Clarita, e revela que ao ouvir esse nome “sentiu-se amada e quase morta”.
Prosseguindo a história, ele disse que ficou muito desgostoso com a morte da namorada e resolveu vir morar no Brasil, não quis mais saber de amor, o máximo que conseguia era ter alguns casos com várias mulheres, mas caso sério de amor nunca mais.
“Viagem de trem” é o relato de uma viagem que Clarice fez na companhia do pai de Recife para Maceió. Ela estava com 11 anos, “era altinha e já meio mocinha.” A viagem de trem para Maceió, naquele tempo ( anos 30 do século XX) , durava quase um dia inteiro; nessa viagem ela encontrou um rapaz de seus 18 anos - “lindo de morrer” - e, sob o olhar aparentemente distraído do pai, eles conversaram e namoraram. A mocinha não cabia em si de tanta emoção.
Clarice tinha uma forte afeição por Lúcio Cardoso e uma de suas crônicas traz o título “Lúcio Cardoso”. Neste texto, ela revela que Lúcio sempre lhe despertava saudades, mas era uma “saudade tristíssima”, saudade duplicada.
A primeira saudade se relaciona com a doença de Lúcio. Ele adoeceu e não podia mais escrever, ficou com o lado direito todo paralisado. Mais tarde usou a mão esquerda e começou a pintar. E vem esta afirmativa: “o poder criativo nele não cessara”.
A segunda saudade está relacionada com a morte de Lúcio. Quando ele morreu, ela não foi ao velório, nem ao enterro, nem à missa. E explica o porquê: “havia dentro de mim silêncio demais.”
Com o escritor mineiro, ela aprendeu a ser mineira também, ele ainda lhe ensinou a conhecer as pessoas, a vê-las através das máscaras, ensinou o melhor jeito de ver a lua.
A cumplicidade entre os dois era muito grande – Lúcio com uma “vida misteriosa e secreta”, ela com uma “vida apaixonante”. Se não houvesse a “impossibilidade”, quem sabe, teriam casado.
Depois da leitura dessa crônica, só resta mesmo o silêncio, tudo fica mudo, as palavras fogem, escondem-se, não sei onde encontrá-las. Associo-me ao silêncio clariceano.
“Crônicas para jovens: de amor e amizade” é um título sugestivo, uma conversa informal com os leitores, crônicas que falam ao coração