sexta-feira, 27 de novembro de 2009

resídio do Hipódromo: cartas de um escritor para o filho-joel rufino




Presídio do Hipódromo: cartas de um escritor para o filho
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

De amor são estas cartas escritas pelo Joel, quando estava no cárcere, precisamente pelo pecado de amar o Brasil e a verdade de sua história.
(Thiago de Mello. Orelha do livro Quando eu voltei, tive uma surpresa).

O gênero epistolar encontrou um forte concorrente na era da internet – o e-mail, mas as cartas continuam circulando, atravessando fronteiras, mares, e aguardadas com ansiedade pelo receptor. Muitas chegam com letra caprichada, como as cartas e os cartões que o poeta Carlos Drummond de Andrade costumava mandar para os amigos ou para agradecer um texto crítico sobre um dos seus poemas; outras revelam uma caligrafia de difícil compreensão.
Fernando Pessoa, através do heterônimo Álvaro de Campos, escreveu que “Todas as cartas de amor são ridículas”. Se pensarmos nas cartas que escreveu para “Ophelinha”, chegaremos à conclusão de que o poeta estava certo – suas cartas de amor eram ridículas.
E as cartas de amor de Abelardo para Heloísa? Essas não eram ridículas, revelavam sofrimento e a tragicidade de um amor proibido.
Lembramo-nos das cartas escritas na prisão por Graciliano Ramos. Ele escreveu inúmeros bilhetes para sua mulher, Heloísa Ramos, durante a prisão no Rio de Janeiro. Nesses breves comunicados, o escritor revelava seu dia a dia, suas leituras, seus estudos, o aprendizado da língua russa e as novas amizades que iam surgindo.
No próximo ano, o livro Quando eu voltei, tive uma surpresa (Ed. Rocco), de Joel Rufino dos Santos, completa dez anos de sua primeira edição. São cartas que o escritor escreveu para seu filho Nelsinho, no período em que esteve no Presídio Hipódromo, em São Paulo (dezembro de 1972 até maio de 1974).
Joel Rufino dos Santos foi preso pelos mesmos motivos de Graciliano Ramos – os dois escritores escreveram livros que não agradaram ao governo.
Teresa Garbayo dos Santos, mulher de Joel, guardou as cartas que o pai escreveu para o filho. Depois de alguns anos, quando os ânimos serenaram, o escritor resolveu publicá-las.
Onde estão as cartas enviadas do filho para o pai? Ficaram guardadas ou perdidas nos porões da ditadura. Desapareceram? Não sabemos. Que pena!
Vamos examinar alguns detalhes dessas preciosas cartas.
O livro apresenta cartas manuscritas nas páginas pares. Nas páginas ímpares, vem a reprodução dessas mesmas cartas em letra impressa.
As cartas foram escritas, inicialmente, com caneta esferográfica da cor azul. O presente de uma caixa de lápis hidrocor vai dar colorido, posteriormente, às cartas que são acrescidas de fotografias, desenhos, colagens, brincadeiras, lições de História. (Joel era professor de História na época em que foi preso).
Nas primeiras cartas, o escritor explica ao filho que tinha sido “convidado” pelo governo brasileiro para dar explicações sobre algumas coisas que ele tinha escrito e que o governo não gostava. Esse era o motivo de sua ausência. E vem outra explicação ”maquiada” a respeito do local em que estava “hospedado”:
Tem quarenta pessoas que também não concordam com o governo. Tem 1 médico, 3 engenheiros, 8 professores, 10 estudantes, 3 marinheiros, 10 operários (de trem e de fábrica) e 5 camponeses. (...) Do outro lado ficam as mulheres. E algumas são professoras, outras são estudantes, uma é enfermeira, uma é arquiteta, uma é artista de televisão. (p.11)
Durante seis meses, o escritor procurou esconder do filho que estava preso, preferia dizer que estava viajando, pois alimentava a esperança da liberdade a qualquer hora, mas o tempo foi passando e o pai não regressava dessa longa viagem. Um dia a mãe resolveu contar toda a verdade.
Há uma passagem no livro que merece ser resgatada. Quando Nelsinho, um garoto de oito anos, soube do motivo da ausência do pai sua reação foi se refugiar debaixo da cama abraçado à gaiola com seu passarinho. Essa foi a maneira que o menino encontrou para externar sua dor.
As crianças que hoje estão com 8 ou 10 anos desconhecem esse período de repressão política. O livro de Joel Rufino dos Santos continua sendo vendido nas livrarias. É o registro real de um tempo em que os tiranos perseguiam os escritores que teimavam em contrariá-los. São fatos da história que não podem ficar apenas nos livros, merecem divulgação.
(Jornal CONTRAPONTO. Caderno B2, 27 de novembro a 02 de dezembro de 2009).

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Neide, gostei bastante do seu espaço, principalmente por encontrar informações do universo da Literatura Infantil, à qual não sou muito afeito, no sentido de desconhecer.

Acredito que com certeza encontrarei o conhecimento adequado na troca de informações. Estarei lhe acompanhando.

Abraços Marco